quarta-feira, 26 de outubro de 2011

REPRESENTAÇÃO VERDADEIRA E APROPRIADA - PRIMAZIA DA ESSÊNCIA SOBRE A FORMA – A QUESTÃO JURÍDICA

Um comentário sobre o Parecer de Orientação CVM nº 37/2011.




A Comissão de Valores Mobiliários, na data de  22 de setembro de 2011, divulgou o Parecer de Orientação CVM nº 37 estabelecendo, de forma resumida que:


·         A partir da linha sete, que o ordenamento contábil trazido a partir da promulgação da Lei nº 11.638/2007 incorporou diversas inovações à contabilidade brasileira com o intuito de produzir demonstrações financeiras mais úteis aos investidores e aos demais usuários externos em seus processos de alocação de recursos.

A partir da linha quatorze, muitos conceitos trazidos pelas IFRS não são necessariamente inéditos para a doutrina contábil brasileira, mas certamente trazem novidade à prática profissional de muitos contadores e ao ambiente contábil das companhias.
·         A partir da linha dezesseis, está sendo quebrado um paradigma cultural há muito presente em nosso ambiente econômico-financeiro, segundo o qual os eventos econômicos eram interpretados e, consequentemente, registrados e mensurados predominantemente conforme sua forma jurídica.
·         Continua na linha vinte, dois conceitos inter-relacionados são essenciais para o entendimento dessa nova realidade contábil: (i) a representação verdadeira e apropriada; e (ii) a primazia da essência sobre a forma.
·         A partir da linha vinte e um,  contabilidade somente cumprirá sua função essencial de fornecer informações úteis ao processo de tomada de decisão de seus usuários se refletir verdadeiramente a realidade econômica subjacente. Para que essa representação apropriada (true and fair view) possa ser alcançada, é importante observar a primazia da essência econômica sobre a forma jurídica dos eventos econômicos.
·         Em continuação, dessa forma, com a mudança iniciada com a edição da Lei 11.638/2007, resgata-se a característica fundamental das demonstrações contábeis, que devem representar fidedignamente a realidade dos efeitos econômicos das transações, independentemente do seu tratamento jurídico.
·         Após considerações adicionais, em seu parágrafo conclusivo, declara: “Pelo exposto acima, os envolvidos no processo de preparação e auditoria das demonstrações financeiras devem pautar suas interpretações dos eventos econômicos na plena aderência da primazia da essência sobre a forma para que as demonstrações contábeis representem de forma verdadeira e apropriada a realidade econômica das transações contabilizadas.

Merecedor do mais zeloso respeito deve ser qualquer pronunciamento originário da CVM e de todos os demais órgãos vinculados à regulação dos mercados, bem como os pronunciamentos originários de todos órgãos reguladores das práticas contábeis. Tão nobre respeito merece ainda, os pronunciamentos pertinentes às normas internacionais hoje adotadas no Brasil, pois que, objeto da reflexão de muitos profissionais de militância madura e de incontestável competência. Todavia, com minha minúscula capacidade, sinto-me incomodado com a declaração da preferência à essência em detrimento da forma, não por este fato propriamente dito, pois indubitavelmente, deve prevalecer a essência, e no meu entendimento sempre assim o foi, desde que iniciei na profissão nos idos de 1977, quando os sócios da empresa de auditoria em que trabalhava, já naqueles anos, não admitiam que prevalecesse qualquer procedimento formal que viesse tentar distorcer a adequada quantificação do efeito econômico sobre o patrimônio, ainda que se tentasse atribuir uma modalidade jurídica. 




Por diversas vezes participei de reuniões onde se discutiam com severidade os diversos pontos de vista, a fim de que, como decisão final, prevalecesse aquela que reproduzia a verdade dos fatos. Nunca se alterou a forma, pois que, o que se discutia era o impacto econômico por ela provocado. Erro de forma, é erro jurídico também, e quando existe será nulo ou anulável a formalidade que se queira sustentar.

É neste sentido que penso deve ser o pronunciamento da CVM, e, de fato, as demais normas atuais reguladoras da nossa contabilidade. É necessário que se afirme que a aplicação correta e adequada do Direito, também consagra a essência do fato econômico. Ainda mais, sempre o Direito consagra, em tudo, a essência. Quando a forma deve prevalecer, o faz, quando vital à essência. Por exemplo, no casamento existe a imposição da forma cerimonial como vital para a essência do ato. Todavia, reitera-se não existe qualquer sinal de descuido com a essência do fato. O contrato de compra e venda de um bem imóvel, necessita da forma de escritura pública, pois essencial à vitalidade do ato. Todavia todo o seu conteúdo reproduzirá a efetividade do ato, ocorrido no mundo dos fatos, de uma operação de compra e compra em todas as suas características jurídicas, físicas e financeiras.

No Direito, quando identificamos que a forma eleita pela partes viola ou não reproduz a efetiva realidade do fato com que se relaciona, caminha-se para a figura da aberração jurídica. Mesmo nas operações estruturadas de planejamento tributário a formalidade dos atos necessariamente caminha ao lado da essência dos fatos. Versão diferente não é o bom Direito, sequer deve ser considerado Direito. Direito é antes de tudo uma ciência e como tal deve e sempre será tratado, e como ciência não admite rascunhos, disfarces, descolamentos entre forma e essência. O Direito é sobretudo a reprodução e a regulação da essência das coisas. Sendo a preocupação da contabilidade interpretar os fatos segundo a sua essência, certamente que tem no Direito um substancial elemento auxiliador, pois a forma jurídica busca nada mais nada menos que reproduzir a essência dos fatos no mundo fenomênico.

Portanto não me parece pertinente afirmar que a forma jurídica pode de alguma maneira não refletir a essência dos fatos. O reflete sim, doutra forma, não se trata de forma jurídica, mas certamente de aberração da forma jurídica.

Todavia, deve ser preocupante, pois poderá causar complexos problemas judiciais, admitir que a interpretação de qualquer profissional em nome do resultado econômico dos contratos, queira asseverar que a forma deveria ser outra. O profissional que tem esta competência é o profissional do Direito. Aos demais profissionais e aos contadores, sobremaneira, poderá quando de sua avaliação reproduzir o impacto econômico das operações. Mas, isto não significa afirmar que a essência preferiu-se à forma. Pois a adequada forma contratual em Direito estabelecida, sempre e necessariamente estará lado a lado caminhando com a essência dos fatos que ela traduz na linguagem do Direito.

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